A gestão escolar empreendedora para uma escola sustentável
– A importância do empoderamento dos atores da comunidade educativa e o desenvolvimento da autonoma competente –
As posturas da gestão frente ao complexo universo da escola e o dinamismo diante dos novos desafios têm sido amplamente discutidos pelos líderes hierarquicamente superiores aos Diretores Escolares. A cada discussão, se percebe o quanto de tempo o gestor depreende com a conciliação de conflitos entre funcionários, alunos e responsáveis, e como estes conflitos são cada vez mais rotineiros para os gestores.
Aspectos sociais, comportamentais dos discentes, clima escolar, relação família e escola, família e aluno, prestação de contas do dinheiro público, alcance das metas propostas, gerência da proposta pedagógica, avaliações internas e externas, gestão de pessoas, entre outros tópicos, estão cotidianamente entrelaçados tecendo uma ampla e árdua rede de tarefas, sobretudo, quando a este gestor, falta conhecimento da função social da escola, visão sistêmica e estratégica, calcadas em um planejamento consistente para a superação destes desafios.
Os desafios estão presentes em nosso cotidiano, e eles não podem ser encarados como algo nocivo para a gestão. Na verdade, eles se apresentam como oportunidades positivas para aprendizagem, transformação e como terreno fértil para práticas inovadoras no campo da gestão escolar.
Pensando nisso, nossa discussão terá como pano de fundo o cotidiano do gestor escolar de instituições públicas, e seus desdobramentos serão construídos sob a perspectiva deste setor. Precipuamente, vamos analisar que a escola pública está para além de uma prestadora de serviços, assim como os seus gestores, não podem ser vistos apenas como diretores, mas como gestores públicos, administradores de verbas e patrimônio público.
Vamos refletir brevemente sobre o conceito de gestor escolar eficiente e eficaz, e quais desafios do tempo presente torna iminente a figura de gestor escolar empreendedor, entendendo que tal proposição coloca a escola na condição de caminhar para rumos diferentes, vislumbrando a realização de uma gestão que seja de fato significativa e sustentável ao longo do tempo.
Em seguida, é feita uma explanação sobre a importância da disseminação do empoderamento entre os membros da comunidade educativa, promovida pelo gestor escolar empreendedor, a qual resulta na propagação da autonomia competente, fazendo com que os atores da comunidade interna sejam elevados além da condição de co-particípes, mas que, sobretudo, sintam-se co-gestores no processo de gestão da Unidade Escolar, alcançando com isso, o ápice da gestão escolar democrática e participativa prevista em lei.
Pensando na escola apenas como instituição social, as expectativas e os anseios da sociedade, se resumem em garantir uma boa qualidade do ensino e a consequência de índices melhores equiparados aos países economicamente desenvolvidos. No entanto, quando pensamos na escola, como órgão público, composta de servidores públicos, a qual recebe investimentos e que é sustentada em sua integralidade por dinheiro público, logo se percebe a dupla necessidade de se desenvolver mecanismos para que esta escola forneça não só um serviço de qualidade, mas que atenda aos princípios da Administração Pública no gerenciamento de suas tarefas. É refletir sobre uma prática gestora que atenda a estes princípios e que sobretudo seja de qualidade e sustentável.
Dentro dessa perspectiva, está presente de maneira muito importante a gestão. Ela deve ser capaz não só de gerenciar recursos financeiros e deles prestar contas, mas, deve também, ser capaz de dar protagonismo aos membros da sua comunidade educativa, bem como gerenciar os demais aspectos que compõem a dinâmica da escola.
No entanto, ao observar as inevitáveis mudanças e expectativas em torno desta instituição social, e, consequentemente, do Diretor, percebe-se que posturas estritas, geralmente acarretam em uma gestão empobrecida em um ou mais aspectos do cotidiano das unidades escolares. Ao acompanhar o dia-a-dia de um Diretor Geral, é possível constatar que seus afazeres se constituem em uma grande teia, que por vezes, se apresenta com alto grau de complexidade, quase sempre se configurando muito mais como um obstáculo no seu dia-a-dia, do que uma tarefa que faz parte do seu conjunto de atividades. Faz-se necessário que este gestor reúna uma gama de elementos técnicos e emocionais, para dirimir ou, apenas, minimizar os impactos de atividades tão complexas.
Diante disto, o debate sobre as posturas necessárias dos gestores frente a este contexto se basearam no binômio: eficiência-eficácia, na tentativa de propor um combinado de atitudes que atendessem às complexidades do universo da gestão escolar. Para melhor compreendermos esta ideia, teríamos as seguintes premissas a analisar: o gestor eficiente seria aquele que cumpre com as tarefas propostas dentro dos prazos estabelecidos, que mantém as prestações de contas dos recursos financeiros recebidos e cumpre com as exigências do órgão central e regional. O eficaz conseguiria, além disto, obter bons resultados, criar uma atmosfera favorável para que as atividades se desenvolvessem de forma sinérgica, minimizando, sempre que possível os impactos das tarefas críticas no grupo, além de promover uma imagem positiva da Unidade Escolar no âmbito em que está inserida.
Enquanto os gestores eficientes cumprem as normas e as regras investindo pouca importância na compreensão dos processos e consequentemente na compreensão dos resultados, os gestores eficazes buscam a melhoria dos processos e investem total atenção nos resultados, pois são estes, que testemunharão todos os esforços empreendidos ao longo de um tempo.
Contudo, quando pensamos nos pilares que sustentam a natureza de ser de toda escola, quer seja pública ou privada, nos deparamos com uma necessidade emergente que vai muito além do cumprimento de normas e regras e que precisa ser superior à compreensão de uma eficácia que atenda às demandas previstas para um determinado período letivo.
Em primeiro lugar, se faz necessário pensar na função social da escola para além do cumprimento das legislações ou anseios desta ou daquela comunidade educativa. Trata-se de pensar a escola como instituição social que seja sustentável e que se antevenha aos desafios sociais, culturais, políticos e econômicos. É necessário pensar na escola que forma indivíduos para se tornarem sujeitos ativos capazes de compreender e transformar a realidade a sua volta. Para cumprir este papel, é necessário que a gestão esteja à frente do seu tempo, com uma visão de futuro bem definida, com valores e missão audaciosos porém, factíveis.
É nesse novo lugar, diante destas expectativas e necessidades que se delineiam, que encontramos campo fértil para o gestor escolar empreendedor. O gestor escolar empreendedor, diferente do gestor eficaz foca no desempenho dos processos e não apenas nos resultados. Ele se importa como as tarefas e a compreensão dos processos, estão sendo desempenhados diariamente preocupando-se com que grau de qualidade se chegou a determinados resultados. Para ele, os resultados passam a ser consequência de um conjunto de atitudes determinantes, que geraram mudanças, e, logo, resultados.
Após este processo, o que o gestor escolar empreendedor promove entre os sujeitos da comunidade educativa, é além do que denominamos de compromisso e participação, ele desencadeia o ‘empoderamento’ desses atores, fazendo com que cada membro sinta-se um co-gestor, porém, não um mero coadjuvante, mas um participante ativo dotado de autonomia competente para opinar, decidir e trazer novas ideias para aquele contexto.
Para conceituarmos autonomia, podemos destacar inúmeros aspectos, os quais provocariam inevitáveis vieses a este artigo. Desta forma, a autonomia será aqui brevemente descrita, relativizando-a e pensando nos seus contornos e meandros para a área da educação. O conceito de autonomia começou a ser mais bem difundido pós LDB/96. Àquela época, a concepção de escola tutelada pelos órgãos centrais e presas às suas orientações ainda se fazia muito presente. A falta de autonomia para gerir e adquirir os recursos que atendessem às especificidades das Unidades Escolares, a ausência de espaços definidos para elaborarem suas próprias Propostas Pedagógicas, com intuito de que através da construção deste documento conseguissem imprimir suas identidades, bem como a abertura para debates aos grupos externos à escola, ainda era o cenário pouco conhecido dos educadores.
No entanto, se de um lado o limiar de novos tempos para a escola parecia o alcance de uma luta que já se arrastava há tempos, na contramão, existia também a ausência de conhecimentos teóricos e práticos que culminassem para todos os anseios que esta nova era trazia. Se os anseios que pairavam em torno de uma escola mais aberta, democrática e participativa haviam sido cauterizados, outra sensível ranhura se abria: a de como administrar a escola, que de certa forma agora se apresentava descentralizada, sendo delegado relativo poder àqueles que de fato deveriam fazer a escola acontecer: a sociedade.
Embora possamos constatar os avanços sobre o assunto, nós educadores, sabemos o quão distantes ainda estamos de uma autonomia legítima e legitimada por todos aqueles que fazem parte do universo da escola.
Com efeito, se esta autonomia está posta por lei, é salutar que seja concebida como um trabalho a ser feito por muitas mãos, partindo, sobretudo, dos sujeitos que compreendem a autonomia da escola como algo que está além do decreto, mas, que está sobremodo, à disposição para ser construída. Seria esta talvez, uma das alternativas mais positivas para se alcançar uma educação de qualidade, atrelando este desejo como uma vontade coletiva em consonância com o comprometimento dos atores, cujos são peças-chaves para que isto ocorra. Do resultado desta nova racionalidade, paulatinamente outro novo conceito estaria sendo disseminado, o da autonomia competente. Para que este conceito se torne mais claro ao leitor, será ilustrado através da figura abaixo:
Etapas da Autonomia Competente
Ao professor, cabe a árdua tarefa de dar significado e transformar em conhecimento, o extenso mote de informações os quais os sujeitos estão submetidos cotidianamente. Trata-se não só de apresentar o conteúdo, mas, de dizer para quê eles servem e de que maneira poderão ser úteis. Aos gestores, arduamente trabalhar para garantir que tanto docentes e discentes, possuam infraestrutura para desempenhar suas tarefas e desenvolver-se, respectivamente. Na verdade, ir além, promover um ambiente que não seja só formal do ponto de vista da instituição, mas que seja compreendido como um espaço de transformações individuais e coletivas. É promover diálogo, reflexões, debates com vistas ao consenso sobre aquilo que realmente é indispensável que é o reconhecimento da escola como um espaço profícuo de produção de saberes e culturas que devem ser legítimas uma vez que esta é a função social da escola.
Porém, quais os recursos e estratégias os gestores escolares possuem para despertar o empoderamento dos atores da comunidade educativa?
Qual é a importância da autonomia competente dos sujeitos para que de fato a escola seja movida pelo desejo coletivo e comprometido com resultados não apenas numéricos, mas, principalmente, resultados significativos na qualidade das discussões, envolvimento e relacionamento entre seus membros?
Quais são os eixos principais da gestão escolar e seus desdobramentos, e como a visão sistêmica do gestor sobre a escola, facilita o seu gerenciamento?
Para estas perguntas temos algumas respostas. Não são respostas prontas. Mas são respostas que podemos construir juntos, em busca de uma escola pública que faça a diferença agora e no futuro.
Janaina Moreira de Oliveira Goulart
Professora da Rede Pública de Ensino do estado do Rio de Janeiro
Mestre em Gestão e Avaliação da Educação Pública/UFJF
Pedagoga com habilitação em Administração Escolar/UNIGRANRIO
Especialista em Psicopedagoga Institucional e Clínica/UNIGRANRIO